Hoje ao ler o post do Mark lembrei-me de um post escrito em Outubro de 2010 quando os sabores tinham outra morada que decidi reproduzir aqui porque se mantém, passaram quase quatro anos desde que o escrevi e foi à laia de desafio mas mantenho tudo.
"Hoje, em plena conversa tipicamente cerejeira, perguntava “Afinal de contas, vou escrever sobre o quê?”, não porque me falte assunto nos últimos dias mas não obstante, são coisas demasiadamente íntimas que me pertencem (ou não) e como tal não têm lugar nos Sabores do Vento. Ou ficariam demasiadamente rabiscoté e pareceriam uma caricatura ainda maior do que costumam ficar por estas bandas ou então seriam bastante reconhecíveis e interessam apenas às parte envolvidas. Juicy? Sim, sem dúvida. Chocantes? Algumas. Mas há que traçar uma linha entre o que podemos ou não partilhar.
E portanto fui desafiado para falar sobre amor, sobre se valerá a pena lutar pelo amor, ao que eu respondi que achei extremamente vago porque se fizermos esta pergunta a dez pessoas vamos receber dez respostas diferentes, todas válidas, todas fascinantes e todas incompletas por muito complexas que sejam as respostas.
Mas, ao contrário de uma tendência pseudo-espiritualóide que eu podia pintar de que o amor é incondicional e manifesta-se e é a partilha vou falar daquilo que nos assola e incendia e leva-nos a bater com a cabeça nas paredes. O amor romântico ou o amor paixão é lixado (ia usar um verbo com f, mas seria acusado de plágio) e tenho com ele uma relação esquisita. Como aqui não pretendo ser minimamente original já fiz os clichés quase todos, já o usei como estandarte pelo impossível, já fui extremamente cruel quando mo foi oferecido de mão beijada, já fiz figuras tristes e já fiz figuras alegres, já foi o meu sustento e o meu alento e já foi o Sol que nasce a cada manhã e já o amaldiçoei preso numa caixa (aparentemente) impossível de abrir, mas de alguma forma nunca desisti. Acho que o pior erro que qualquer um de nós pode fazer é prender o sentimento do amor a uma única pessoa e ficando nós assim eternamente presos a um estado de incerteza e de sobrevivência em que a nossa própria identidade fica translúcida e deixamos de ser e de existir, para sempre presos no Limbo e para sempre à deriva. Usamos frases absolutas como “se não for com a ou b ou c então não é com mais ninguém” ou tentamos transformar-nos em coisas que não somos para agradar até que o peso da máscara nos sufoca e nos mata a poucos e poucos. Amamos o Romeu e Julieta, mas convenhamos que por muito sublime que pudesse ter sido, aquilo não acaba bem. Histórias trágicas de amor têm piada porque são histórias e porque aquilo despoleta em nós o mais primordial que podemos sentir, mas não conseguiríamos viver naquela chama sem sermos inevitavelmente consumidos por ela. Amor é fogo que arde sem se ver, mas arde enquanto houver lenha e nós não passamos disso.
Depois outras alturas há em que o medo de ficarmos sós se mascara de amor, o medo do tempo que passa sem qualquer piedade, o vermos os amigos criarem as suas próprias histórias e ficarmos num estado tal de ansiedade que nem pomos a questão do mais vale só que mal acompanhado porque estar só não é nada animador e temos do outro lado a piedade solidária do “vais ver que vais encontrar alguém especial” ou então “para ti tem que ser alguém único que te mereça” e então aí quase que me apetece mandar isso às urtigas (ou à merda) e dizer “Ai é? Então venha, força, estou farto de estar à espera” e quando temos algo parecido ficamos por lá. Porque tudo muda, tudo se transforma e a esperança é a última a morrer, presa numa caixa de Pandora que entretanto encheu a nossa existência de angústia e de amargura e isso não é amor, rima claro, mas é apenas dor até termos a coragem de nos libertar.
Mas nunca desisti do amor, do seu ideal mágico e sádico e da promessa que fará parte do meu trilho e que quando se voltar a apresentar à minha frente eu arrisco e se bater com os cornos contra a parede, há sempre uma noite em frente ao ecrã a ver o “E Tudo o Vento Levou” e a pensar “Ah pronto, e eu a pensar que a minha vida é fodida, a Scarlet é que sofreu as passas do Algarve!”, por vezes dou por mim a soar frio, analítico e cínico quando o comento ou ouço desabafos, mas muito pelo contrário: nunca deixarei de acreditar no Amor, porque até prova em contrário ele nunca deixou de acreditar em mim."
Este texto está maravilhoso. É mesmo o teu estilo. Reconheço-te a cada linha.
ResponderEliminarLá está, arriscar e, se "bateres com os cornos contra a parede" (ahah :D), insistes até acertares. Eu queria ser assim. O que se passa comigo é que nem tenho um rol de decepções. Nunca namorei sequer. É mesmo uma opção pelo não-sofrimento, ainda que isso possa implicar outro sofrimento. Olha, ver pessoas amigas cheias de felicidade, namorando, não me deixa triste ou cabisbaixo. Quando se desiludem é um sofrimento atroz. Parece que a dor do coração é forte. :)
Não digo que te deixe cabisbaixo, não somos mais nem menos mas a solidão é uma amante exigente e até quem a use como cartão de visita eventualmente sente que o preço é demasiado alto. Dor de coração é forte, mas também é o coração que manda, nem tudo podemos controlar.
EliminarDas melhores coisas que já li escritas sobre o amor.
ResponderEliminarParabéns.
João, obrigado.
Eliminare bati muitas vezes com a cabeça e fiz coisas quem em miúda dizia que nunca, mas nunca faria, eu? mas fiz e não me arrependi, passei, amei, sofri, foi há uma eternidade, e olhando para trás não parecia eu, e o amor já disto e desfaz e tudo se parte como também se cola, pedaço a pedaço. e depois eu vejo pessoas a serem felizes, mas mesmo felizes já com certa idade. não é só o João R., mas uma antiga colega minha, por exemplo, que se reformou há uns anos, divorciada há muitos, avó, e encontrou um senhor tão distinto e belo é é tão bonito vê-los assim, não com a sofreguidão da juventude :), mas com a serenidade da experiência e da idade, que isso também se conquista. e é isso, pronto, é isso que eu também quero :)
ResponderEliminarGostei bastante, meu caro. Seguindo aqui.
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