sábado, 16 de junho de 2012

Vamos cortar o cabelo

Quando eu decidi deixar crescer o cabelo convenceste-me a mudar de cabeleireiro, "o cabelo comprido dá muito mais trabalho, tem que estar sempre bem cortado", de dois em dois meses lá íamos, tu aproveitavas e cortavas umas pontas, havia sempre direito a dois dedos de conversa com as cabeleireiras e eu nunca aprendi a conduzir até lá sozinho, parecia anedótico mas até eu com o meu terrível sentido de orientação em tantos anos podia ter aprendido, mas era a nossa ida ao cabeleireiro que ambos detestávamos e que ambos sempre insistíamos em não nos secarem o cabelo com secador. Tu é que me desabituaste daquele vício horrendo que era lavar o cabelo todos os dias. Tu é que desabituaste de passar o tempo com o cabelo amarrado.

Quando ao fim de sete anos de cabelo comprido eu decidi cortar drasticamente, tu estavas lá comigo e escolhemos o corte juntos e toda a gente adorou.

Desde Fevereiro que não corto o cabelo, desde Abril que digo que tenho que o cortar e nunca mais o cortei.

Na terça-feira tinha escolhido um cabeleireiro novo, tinha marcado para as 17:30. Ao fim de quinze minutos à espera descobri que o stylist tinha a mãe no hospital e tinha saído a correr, respirei fundo e fui-me embora, entrei noutro, disseram-me que já não me conseguiam cortar o cabelo naquele dia, que tal na quinta-feira? Eu respondi não, fui tão seco que tenho a certeza que quem me ouvisse pela primeira vez acharia que eu era incrivelmente mal-educado.

Comi um gelado de duas bolas, pistachio e tarte de limão merengada, a tarte que me ensinaste a fazer ainda que eu tenha alterado a receita, apaixonei-me por aquela tarte porque ma fizeste.pela primeira vez, hoje toda a gente come a que eu faço com paixão e delira e eu partilho a história da cozinheira francesa de quem conseguiste a receita, um pouco de cada vez a vê-la às escondidas até que a Noemie gritava "Sortez de ma cuisine, fils de pute!" que a torna cada vez mais mágica.

A minha tarte de maçã nunca mais a voltei a fazer, tu eras a sua fã número um...

Voltei para casa, amuado e chorei porque nunca mais vens comigo cortar o cabelo, nunca mais me vais ajudar a escolher um corte, nunca mais me vais dar na cabeça porque já devia ter ido cortar as pontas, ou devia ter começado a tomar as vitaminas na Primavera, dei-te as minhas porque me esquecia sempre e tu adoravas o teu cabelo, nunca as conseguiste começar a tomar.

Dizem-me que o tempo tudo ajuda a superar, digo-me todos os dias que parte de ti está sempre comigo, mas todos os dias me lembro que perdi a minha irmã.

5 comentários:

  1. a tua irmã continua a velar por ti. há dias para comer gelados de duas bolas que não são para cortar o cabelo.

    um abraço :)

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    1. Verdade. E justiça seja feita, os gelados não eram maus, eu é que não estava para amar.

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